Colóquio reúne espiritualidade e resistência diante do avanço do racismo religioso

NACIONAL

O Brasil vive um preocupante agravamento da intolerância religiosa, especialmente contra as tradições de matriz africana. Segundo dados atualizados pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, as denúncias recebidas pelo Disque 100 cresceram 66,8% entre 2023 e 2024, passando de 1.481 para 2.472 casos registrados. A umbanda e o candomblé lideram esse triste ranking de ataques, com 151 e 117 denúncias, respectivamente.

Na Baixada Fluminense — região onde a organização ComCausa atua há quase duas décadas — a situação é ainda mais alarmante. Os registros de ataques a terreiros e agressões a praticantes das religiões afro-brasileiras aumentaram mais de 50% nos últimos dois anos. Municípios como Nova Iguaçu, Duque de Caxias, São João de Meriti e Belford Roxo concentram a maioria dos casos. Mesmo assim, grande parte desses episódios não é reconhecida como crime de intolerância, sendo enquadrada como meros conflitos de vizinhança ou perturbação do sossego.

Colóquio Siso Itan Ati Akoko

Diante desse cenário, iniciativas de resistência e valorização da ancestralidade ganham ainda mais importância. Foi nesse contexto que aconteceu, no último 10 de abril de 2025, o II Colóquio Siso Itan Ati Akoko – Contando a História do Tempo, realizado no Jardim Botânico da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em Seropédica. Organizado pelo Grupo EtnoPET, com apoio de diversas instituições — entre elas a ComCausa —, casas de axé e coletivos acadêmicos, o evento reuniu espiritualidade, ciência, tradição e mobilização social.

O encontro teve como destaque uma mesa de debate sobre o combate ao racismo religioso e um cortejo simbólico pelo campus, que culminou no plantio de uma muda de Akoko — árvore sagrada nas tradições de matriz africana — ao lado do Iroko, já plantado há três anos. A cerimônia contou com a presença de importantes lideranças religiosas e sociais, como o Frei Tatá, da Pastoral Afro, e representantes da Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial.
Para Adriano Dias, fundador da ComCausa, a realização do colóquio em meio aos dados alarmantes do Disque 100 reforça a urgência da luta.

“O que está em jogo não é apenas a liberdade de crença, mas a existência de culturas inteiras que estão sendo atacadas diariamente. Destruir um terreiro é tentar apagar uma história, é negar a humanidade de um povo. E isso precisa ser enfrentado como crime de racismo que é”, afirmou.

Segundo ele, ações como o plantio de árvores sagradas e o retorno das religiões de matriz africana aos espaços públicos e acadêmicos são formas concretas de resistência.
“Cada vez que plantamos um Iroko ou um Akoko em solo universitário, estamos dizendo que o sagrado também floresce da terra e da ancestralidade. Estamos reafirmando que saber ancestral também é ciência, também é educação e também é memória”, completou Adriano Dias.

O colóquio integra a programação do Abril Verde, mês dedicado à valorização da vida, da memória e dos direitos humanos. Para os organizadores, esse tipo de atividade deve se tornar permanente nas universidades, escolas e espaços de formação, como forma de combater o racismo estrutural e promover o respeito à diversidade religiosa.

“Enquanto o Estado não garantir proteção plena, as comunidades seguem resistindo. Em rede, na memória, na terra e na fé”, concluiu Adriano.

Para denunciar casos de intolerância religiosa, entre em contato com o Disque 100 ou procure a DECRADI – Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, localizada na Rua do Lavradio, 155, Lapa – Rio de Janeiro. Telefone: (21) 2333-3509.